Passeando pela vida, Helena encontrou árvores que lhe dão mais ouvidos e traz mais paz e silêncio do que se pensou ter um dia. Em respeito, cuida de ouví-las de igual modo. Seu silêncio é ensurdecedor. É natural ser ouvidos e voz. Inteligente mesmo é ser menos voz. Pra ver o mundo todo conectado e sentir-se tão à vontade como é de fato de interesse do Universo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Um abraço?

A Desenturmada.

Todas as manhãs eram a mesma enrolação para a Helena levantar.
O som do despertador a indicava um caminho planejado um dia todo antes. E eram sempre a mesma desculpa: só mais 5 minutinhos. 5 minutinhos tornavam-se horas até o relógio biológico reclamar seu tempo funcional. Faz almoço às segundas-feira e vai à faculdade todo dia. Sua cabeça não pára um segundo de lhe indicar suposições tantas. O pior momento é o de se vestir. Helena tem sérios problemas com seu espelho, guarda-roupas, sapateira, penteadeira. Suas gavetas arrumadas e sua vida em caixinhas com motivos. Ou são flores, ou são astros (os do céu). Sair é um ato forte, fortíssimo. Ficar em casa quer dizer uma liberdade que não consegue um conceito para explicar essa sensação. Sair, expor-se aos ventos e sopros. A sensação de vulnerabilidade a torna hostil. Helena pretendia não pensar, não ter que carregar esse peso sei-lá-de-quê, pretendia sorrir com os sorrisos, não queria mais sentir as entre-linhas. Isso era para ela um pesadelo. Ela queria apenas ver a doçura e a honestidade em cada gesto, nas palavras, nos conselhos, nas observações, nos julgamentos, enfim, das pessoas. Queria ser honesta com o que acredita, queria a honestidade dos que também acreditam, e queria que os que não, passassem para esse lado do Bem. Não quer impor nada, só quer mostrar, e multiplicar a leveza.
Não se escravizar pelas coisas nem pelas pessoas. É a sua maior pretenção.
Com tudo o que foi aprendido, Helena gosta agora de observar. Passar pelas pessoas com silêncio e mistério envolve muito peso. Entre o peso de participar e o de observar, considera observar mais sábio e envolvente, por mais paradoxal que pareça - explico: olhar implica uma atenção generalizada, onde o outro não é apenas quem está ao meu lado me dando ou eu dando atenção, mas, o total, todas as pessoas envolvidas ganham importância e ouvidos, ela se envolve em todos, por todos.
As cores prediletas da Helena são as cores que a Natureza nos mostra, como um prêmio, um agrado a quem a percebe. O sol poente da Universidade é uma grande bola vermelha envolta por amarelo queimado, lilás, rosa, azul, azul claro e nuvens. É o momento de descansar, parar todo o funcionamento voluntário do corpo e aplaudir com silêncio e respeito o que se vê.
Sai das cores e encontra suas pessoas. Roupas. Cabelos. Acessórios. Cores. Sotaques. Vícios. Comidas. Bebidas. Modos. Lugares. Cheiros. Preferências. Idéias. Conceitos. Filmes. Músicas. Filósofos. Malícias. Vozes. Nomes. Caracteres que fundamentam e estabelecem ordem para o agrupamento de interesses em comum, ou razoavelmente combinativos.
Helena observa a tudo isso quieta, morrendo de medo de todos, morrendo de medo de ter que adaptar-se a exclusivamente um grupo. Fazer parte de uma parte que ela não faz parte. Essa é a maior incoerência dos encontros. Não faz sentido algum logicamente. Conclusão? Helena faz chá, café, coloca refrigerante na mesa, faz suco, vitamina, traz jarra de água natural e gelada, traz adoçante, açúcar cristal, mascavo e pó. Cada um sentado à mesa tem uma parte a qual segue. Helena só quer passear pelas pessoas. Não ser grupo. Não está estagnada num grupo. Acha desconcertante ter que explicar isso a todo grupo. Pior ainda é o sarcasmo, o cinismo, as risadas incompreendidas, a seriedade de quem entende, o descaso de quem precisa de atenção mas não pára para atender, o fingimento de quem é acostumado a fingir quando nem precisa, é só ser. Só ouvir ou não. Sem truques.
A leveza de Helena é pesada. Ela escolheu ser honesta. E isso dói. É silenciosa e quieta. Um caminho de andar com exemplos. Menos discurso. Menos pagação. Menos explicação. Disposição.
E ainda ter que ouvir que é desenturmada.
Turma = "Cada um dos grupos de pessoas que se revezam em certos atos; cada um dos grupos em que se divide uma classe muito numerosa de alunos; gente; pessoal." (Minidicionário da Língua Portuguesa, Francisco da Silveira Bueno; Ed. FTD, 1996)
Helena tem amigos, conhecidos, semi-conhecidos, os brothers, as piriguetes, os do reggae, os do rock que são underground e punk e gótico e emo e hard e metaleiro e clássico e samba rock e hippie e e e e.... tem os melancólicos, os alegres, os pessimistas, os céticos, os da fé, os da igreja, os do incenso, do terreiro, tem os homossexuais, tem os heteros, tem os das cores e os dos preto, do liso e do estampado, tem-se um caldeirão de personalidades, de importâncias.
Passa de ser ou ter que ter grupo. Helena quer conhecer as pessoas. Não quer estar ou talvez nem precise mesmo estar fechada, num círculo pequeno de amizades.
Ela quer tudo.

4 comentários:

  1. Diferente da vida vazia de Janaína. Aceitar e esperar..
    Não sei de Helena, mas se ela quer tudo. Eu também quero !

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  2. Gostei da Helena, e gostei do texto! Parabéns!
    E só não falo mais porque tô com pressa!

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  3. Esse texto foi selecionado pela comissão da 6° Bienal de Arte, Ciência e Cultura organizada pela UNE (tenho nada a ver com a política deles, na verdade, me posiciono contra).

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Se desprender do que não serve.