Passeando pela vida, Helena encontrou árvores que lhe dão mais ouvidos e traz mais paz e silêncio do que se pensou ter um dia. Em respeito, cuida de ouví-las de igual modo. Seu silêncio é ensurdecedor. É natural ser ouvidos e voz. Inteligente mesmo é ser menos voz. Pra ver o mundo todo conectado e sentir-se tão à vontade como é de fato de interesse do Universo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Me aperta?

As presenças estão ao menos suportáveis.
Disfarçar os sorrisos e marcas de expressões têm sido cada vez menos constante. Ela já se sente bem. Flávia agora está em pé, cama, espelho, velas, e aquela garrafa vazia de um vinho especial. A noite tinha sido quente. Quente de brigar, quente de beber, quente de amar, quente de sorrir. O calor que planejava nunca mais ter. Ela, o Amor, havia mandado flores. As flores que Flávia escolheu num sonho turbulento. Foi isso. Tinha que ser por isso! Aquilo que mais lhe deixava feliz (um sonho bom realizado) trouxe dessa vez um significado diferente do desejado: as flores trouxeram deslaços. Sim, deslaços. Era esse o nome que se davam para evitar "brigas" e "separações", ao menos soava tão diferente quanto elas mereciam. Tal como as pétalas caem ao sabor do tempo, Flávia murchava de amor e ódio, amor e ódio, como num mal-me-quer, bem-me-quer. Lixo. Mesa. Antes de sair Ela pôs num vaso as flores ressentidas. Sua ausência nessa manhã de sol alegre e céu ressaqueado era notório só pelas olheiras marcadas e profundas de choro e abandono. Flávia é agora um complexo de culpa e certeza que ela nem sabe distinguir. O sorriso do último gozo agora é só uma lembrança que atormenta. O porque daquele sorriso? Tantas informações atordoam o pensamento de Flávia. Da flor do primeiro encontro naquele café. A mesinha descontraidamente arrumada, uma moça desinformada e distraída. Não. Não pensar nisso deve ter menos dor. A cama... Deixou-se cair na cama, ainda tonta de pensamentos, esboçou um choro, imediatamente sentiu-se a pior mulher do mundo. Telefone na mão. Uma arma seria menos perigoso. Ela só queria compartilhar a dúvida da culpa e da certeza para se martirizar ainda mais pelo amor quase perdido. O cheiro da madrugada é ainda forte e a faz estremecer de medo e aflição. Só precisava que Ela não fosse embora. Não eram só as flores que estavam num vaso com água, Flávia sente-se dentro, Nela que é água, que é comida e calor. Despertador, bilhete na geladeira, a mesa posta ontem a noite para um formidável desjejum. Tinha esquecido sua geléia de amora, mas nada disso importa agora. Ela já não voltará para aquele café. O compromisso marcado há quinze dias, alí, no bilhete na geladeira agora parece não ter sentido; uma brincadeira de mau gosto? Era assim que preferia acreditar. Arrancou-o e ao lixo expulso, como se jogasse o coração e a alma.
Flávia não quer perceber a simplicidade da despedida. A beleza da honestidade Dela. A distância é só um atenuante para o deslaço que já ia acontecer. A cegueira provocada talvez a deixasse constantemente com a sensação ilusória de segurança no amor. É agora só choro e sono. Adormeceu, caída, tonta, pensante, insegura. Sonhou com um lago raso, rasinho, e um salva-vidas.
Deixou-se dormir por tanto tempo, que não sabe mais se sonha...

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Um abraço?

A Desenturmada.

Todas as manhãs eram a mesma enrolação para a Helena levantar.
O som do despertador a indicava um caminho planejado um dia todo antes. E eram sempre a mesma desculpa: só mais 5 minutinhos. 5 minutinhos tornavam-se horas até o relógio biológico reclamar seu tempo funcional. Faz almoço às segundas-feira e vai à faculdade todo dia. Sua cabeça não pára um segundo de lhe indicar suposições tantas. O pior momento é o de se vestir. Helena tem sérios problemas com seu espelho, guarda-roupas, sapateira, penteadeira. Suas gavetas arrumadas e sua vida em caixinhas com motivos. Ou são flores, ou são astros (os do céu). Sair é um ato forte, fortíssimo. Ficar em casa quer dizer uma liberdade que não consegue um conceito para explicar essa sensação. Sair, expor-se aos ventos e sopros. A sensação de vulnerabilidade a torna hostil. Helena pretendia não pensar, não ter que carregar esse peso sei-lá-de-quê, pretendia sorrir com os sorrisos, não queria mais sentir as entre-linhas. Isso era para ela um pesadelo. Ela queria apenas ver a doçura e a honestidade em cada gesto, nas palavras, nos conselhos, nas observações, nos julgamentos, enfim, das pessoas. Queria ser honesta com o que acredita, queria a honestidade dos que também acreditam, e queria que os que não, passassem para esse lado do Bem. Não quer impor nada, só quer mostrar, e multiplicar a leveza.
Não se escravizar pelas coisas nem pelas pessoas. É a sua maior pretenção.
Com tudo o que foi aprendido, Helena gosta agora de observar. Passar pelas pessoas com silêncio e mistério envolve muito peso. Entre o peso de participar e o de observar, considera observar mais sábio e envolvente, por mais paradoxal que pareça - explico: olhar implica uma atenção generalizada, onde o outro não é apenas quem está ao meu lado me dando ou eu dando atenção, mas, o total, todas as pessoas envolvidas ganham importância e ouvidos, ela se envolve em todos, por todos.
As cores prediletas da Helena são as cores que a Natureza nos mostra, como um prêmio, um agrado a quem a percebe. O sol poente da Universidade é uma grande bola vermelha envolta por amarelo queimado, lilás, rosa, azul, azul claro e nuvens. É o momento de descansar, parar todo o funcionamento voluntário do corpo e aplaudir com silêncio e respeito o que se vê.
Sai das cores e encontra suas pessoas. Roupas. Cabelos. Acessórios. Cores. Sotaques. Vícios. Comidas. Bebidas. Modos. Lugares. Cheiros. Preferências. Idéias. Conceitos. Filmes. Músicas. Filósofos. Malícias. Vozes. Nomes. Caracteres que fundamentam e estabelecem ordem para o agrupamento de interesses em comum, ou razoavelmente combinativos.
Helena observa a tudo isso quieta, morrendo de medo de todos, morrendo de medo de ter que adaptar-se a exclusivamente um grupo. Fazer parte de uma parte que ela não faz parte. Essa é a maior incoerência dos encontros. Não faz sentido algum logicamente. Conclusão? Helena faz chá, café, coloca refrigerante na mesa, faz suco, vitamina, traz jarra de água natural e gelada, traz adoçante, açúcar cristal, mascavo e pó. Cada um sentado à mesa tem uma parte a qual segue. Helena só quer passear pelas pessoas. Não ser grupo. Não está estagnada num grupo. Acha desconcertante ter que explicar isso a todo grupo. Pior ainda é o sarcasmo, o cinismo, as risadas incompreendidas, a seriedade de quem entende, o descaso de quem precisa de atenção mas não pára para atender, o fingimento de quem é acostumado a fingir quando nem precisa, é só ser. Só ouvir ou não. Sem truques.
A leveza de Helena é pesada. Ela escolheu ser honesta. E isso dói. É silenciosa e quieta. Um caminho de andar com exemplos. Menos discurso. Menos pagação. Menos explicação. Disposição.
E ainda ter que ouvir que é desenturmada.
Turma = "Cada um dos grupos de pessoas que se revezam em certos atos; cada um dos grupos em que se divide uma classe muito numerosa de alunos; gente; pessoal." (Minidicionário da Língua Portuguesa, Francisco da Silveira Bueno; Ed. FTD, 1996)
Helena tem amigos, conhecidos, semi-conhecidos, os brothers, as piriguetes, os do reggae, os do rock que são underground e punk e gótico e emo e hard e metaleiro e clássico e samba rock e hippie e e e e.... tem os melancólicos, os alegres, os pessimistas, os céticos, os da fé, os da igreja, os do incenso, do terreiro, tem os homossexuais, tem os heteros, tem os das cores e os dos preto, do liso e do estampado, tem-se um caldeirão de personalidades, de importâncias.
Passa de ser ou ter que ter grupo. Helena quer conhecer as pessoas. Não quer estar ou talvez nem precise mesmo estar fechada, num círculo pequeno de amizades.
Ela quer tudo.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O que você acha?



Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem acabei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,



Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.



Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo : "Fui eu ?"

Deus sabe, porque o escreveu.



Fernando Pessoa

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Ou não.

Temo as brincadeiras das idéias. A confusão que isso dá.
A atenção da vez; a conversa; a bebida; o lugar; os motivos; as pessoas; as cores; a falta de cor; a textura; o cheiro; a música; ... É isso, em mim. Em tudo aqui dentro olhando pra fora. E esquecendo de esquecer o "dentro". Pensar e sentir melhor o "fora". E o reflexo no espelho que me entrega essa notícia interna de socorro.

Marcelo Camelo


Eu quero ir.
P.S. Tem que assinar meu nome né? Tudo bem.
Iramaya Monick

terça-feira, 9 de setembro de 2008

quinta-feira, 4 de setembro de 2008



Barrow-on-Furness

I

Sou vil, sou reles, como toda a gente,
Não tenho ideais, mas não os tem ninguém
Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Quem diz que busca é porque não os tem.

É com a imaginação que eu amo o bem.
Meu baixo ser porém não mo consente.
Passo, fantasma do meu ser presente,
Ébrio, por intervalos, de um Além.

Como todos não creio no que creio.
Talvez possa morrer por esse ideal.
Mas, enquanto não morro, falo e leio.

Justificar-me? Sou quem todos são...
Modificar-me? Para meu igual?...
- Acaba lá com isso, ó coração!






Álvaro de Campos


(...)

Continua

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Começando a produzir.




Construindo um mundo próprio, autônomo e independente de tempo e sociedade, Fernando Pessoa apresenta-se como múltiplo e uno ao mesmo tempo. Seus heterônimos famosos até hoje, nos instiga a investigações que são cada vez mais completas, não deixando seu mistério ser exposto. O que há de tão relevante em sua obra? Bem, uma pergunta que terá sempre um adjetivo para respondê-la. Posso, com segurança, fazer uma transa ente Poesia e Filosofia e demonstrar seus filhos mais lindos e poeticamente filosóficos. Uma junção perfeita. Os amantes da literatura concordarão.
Em Fernando Pessoa, reside um mistério incalculável, sua obra tão enigmática e ao mesmo tempo assustadora, pois nos reporta para o
lugar mais interior da nossa alma, nos faz refletir sobre nossa própria condição de ser humano. Com temas ora obscuros, ora simplista, ora desassossegado, ora seguro, ora melancólico, ora realista ou materialista, Pessoa, em contradição ao próprio sobrenome, criou (eu digo: criou em si, criou com palavras nos livros, criou para ele, para ninguém, e para o mundo, por conseqüência) várias personalidades, os chamados heterônimos.
“Eu não sou eu nem sou o outro. Sou qualquer coisa de intermédio.” Cada personagem parida de suas idéias reflete uma necessidade maior e ousada, a de se desprender de si mesmo: em outros, que é ele mesmo. Mas outros por se representarem de formas diferentes e contraditórias, sendo obrigado então, a dar-lhes outros nomes, outras vidas. Com isso, nasceram Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Bernardo Soares, os mais famosos.

(...)
Continua.


*RETRATO por Almada Negreiros

Para quê tudo/apenas isso?


A amiga que sonha com meu sorriso [nunca vi você rir tanto em toda minha vida].

Os gritos da alma saindo em lágrimas escondidas e ardentes.

A mistura excessiva de repensar e parar de pensar. Dói. Machuca.

Os gestos Dele aqui em meus pensamentos e os meus erros cometidos desmedidos.

A culpa que está em mim mas só quero ver nele. Talvez seja mesmo. [?]

A madrugada que não me via mais, agora, lamenta o meu lamento e pranto.

A parede com Ela me esperando, me sentindo, tão perto e em mim que ajuda a não ser só com a noite.

Somos Ela, a noite e o que ainda resta de mim em mim.

Quero fôlego novo. Quero sentir com nova força a energia que Ele me manda. Mas não sinto nada.

Não estou sendo nada. Nem nada.

Pensar e sentir.

Estar só e respirar.

Sentar e se desprender do corpo. Não estar aqui e só alí.

"Eu não quero conversar." Doendo a garganta de tanto ser pensamento pesado e voz inaudível. E os amigos esquecidos na minha pequeneza de não estar para ninguém.

Fiz tudo o que não era pra fazer. Ele fez tudo o que não era pra fazer.

O assombro da expectativa. A verdade da expectativa é que ela não deve existir. Porém...

Mágoa, insegurança, ansiosidade, dúvida, incertezas, amor, ódio, e mil outros sentimentos que se passam ao mesmo tempo e são um só, aqui, em mim. E tento me resolver aqui, pra resolver alí.

Eu preciso Dele. Ele deveria saber disso.

...

...


...



E cá, mil cores, todas são as mais cruéis para mim. Ou eu sou com elas.